O "Magalhães"

Artigo de opinião no jornal Destak, de 5 de Novembro de 2008. (Visível também aqui.)

COLUNA VERTICAL
José Luís Seixas*

O Magalhães

Há dias o telejornal da TVI dava nota de que o “invento” português que Sócrates baptizou de “Magalhães” mais não era do que uma das muitas réplicas Classmate PC, concebido e produzido pela Intel. Trata-se, segundo a mesma fonte, de um computador de baixo custo, idealizado para crianças e que se encontra à venda desde 2006 em várias partes do Mundo. A singularidade portuguesa esgota-se, pois, no nome, no logótipo e na capa exterior. Ilustrava ainda a notícia que o “Magalhães” era na Indonésia o Anoa, na Índia o Mileap-X series, em Itália o Jumpc. Apenas em Portugal, no entanto, foi apropriado pelo Governo e erigido em bandeira da inovação, da audácia e do pioneirismo. Virtudes que, afinal, se resumem à capacidade de transformar o quase nada em quase tudo, confundindo o conteúdo com o continente. Dirão os publicitários que mais vale a embalagem que o produto ou que um rótulo apelativo consegue vender a maior mixórdia. Lição apreendida pelos estrategos socialistas e executada com insuperável perícia.
Mas a singularidade do nosso Classmate PC de apelido Magalhães está na sua gestação. O Estado, que o perfilhou como bem pátrio, adjudicou a sua produção (ou montagem) sem concurso público a empresa arguida em processo-crime de fraude fiscal, como também foi amplamente noticiado e demonstrado. Ou seja, o Governo vendeu ao País a ideia de que atingiu a vanguarda tecnológica e logrou inventar um computador que, afinal, já fora inventado por outros. Adjudicou o produto a empresa acusada de crime grave. Em qualquer país decente estes factos dariam azo a uma profunda investigação e a incisivos e consequentes inquéritos parlamentares, submetendo os responsáveis pelo menos à obrigação de prestarem esclarecimentos públicos. Nada. As notícias esmoreceram, as oposições não reagiram e a vida prossegue neste Portugal redescoberto com novo “Sillicon Valley”.
Permanece, no entanto, o mistério. Como pode o primeiro-ministro ignorar ambos os factos e persistir na propaganda do Magalhães, interna e externamente? O que leva o primeiro-ministro português a usar a Cimeira Ibero-Americana para apontar o computadorzinho da Intel com farda nacional como produto do “Portugal tecnológico”, sugerindo aos seus homólogos uma ideia pouco proba do rigor português? Tudo se esclareceu, porém, quando afirmou com loquacidade que os seus assessores só trabalham com o Magalhães. Realmente, o que se pode pedir a um primeiro-ministro cujo gabinete apenas conhece um computador infantil?

*Advogado

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